Flexibilidade em Camadas

Inauguro o blog como um espaço de reflexão sobre essa filosofia prática que é o yoga. Refletir sobre as ferramentas propostas, entender de onde elas saíram, pesquisar a fonte desses ensinamentos e os seus porquês enriquece a nossa trajetória — não só como estudantes do yoga, mas como seres humanos.

Escolho como primeiro tema um assunto recorrente no universo das práticas de āsanas, que aparece como se fosse um pré-requisito para se pisar no tapete: a flexibilidade. Por diversas vezes, somos estimulados pela plasticidade das posturas físicas, percebendo os encaixes através de um olhar que só vislumbra um resultado a ser alcançado — um destino final, uma pose final.

Focados na execução, esquecemos a preciosidade dos processos, dos caminhos e das novas possibilidades que vão se revelando. Definimos um objetivo sem antes percebermos a real proposta que existe por trás de cada experiência e, no yoga, essa proposta se revela como um estado.

De acordo com o Yoga Sūtra de Patañjali, capítulo I.II, o yoga pode ser compreendido como a harmonização dos mecanismos de funcionamento da mente: yogaḥ cittavṛtti nirodhaḥ. Então, quando este estado mental de maior equilíbrio é estabelecido, a nossa mente pode se expressar como um veículo — e não como a regente da nossa natureza interna.

Isso porque carregamos cargas de impressões e experiências vividas no corpo, de memórias armazenadas em nossa mente e em nosso campo emocional… Através da prática de āsanas, podemos, pouco a pouco, desatar os nós dessas cargas internas.

A anatomia sutil do yoga nos aponta que somos constituídos por cinco diferentes invólucros, ou camadas: a nossa dimensão física (annamayakosha), energética (prāṇamayakosha), mental (manomayakosha), emocional (vijñānamayakosha) e afetiva (ānandamayakosha). Cada um desses corpos pode ser tocado pela prática de āsanas. Assim, é possível perceber que a busca pela flexibilidade deve acontecer no campo da gentileza — e que alinhamento e soltura acontecem integrando a respiração aos novos encaixes.

Cada corpo é único — como cada camada que nos constitui — e cada caminho no yoga também é único. Quando consideramos a prática de posturas como uma meditação profunda no corpo, em suas diferentes dimensões, vamos de encontro à liberdade de nos experimentarmos sem pré-requisitos ou demandas.

Se estamos no mundo para experimentar, para que essas experiências sejam verdadeiras, é necessário estarmos abertos a conhecer de novos e outros ângulos quem somos — abertos às mudanças que acontecem a todo momento.

A flexibilidade mora aí: nesse movimento de fluir com o que a vida nos traz, de coração aberto!